Sunday, December 03, 2006

Além-tédio [Mário de Sá Carneiro]

Além-tédio
Nada me expira já, nada me vive
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

[Mário de Sá-Carneiro]

7 comments:

Ana Reis said...

"Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro."

Para quê palavras...genial! :)

Marta said...

"Nada me expira já, nada me vive —
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital…
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu… Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios…"

Mário de Sá-Carneiro

Eu gosto particularmente deste... :) por isso digo: excelente escolha....

Gosto muito de mário sá carneiro, fernando pessoa, almeda negreiros...florbela espanca...
Os poetas daquela geração são simplesmente fenomenais...
A mim, que não tenho jeito com palavras, fascina-me como eles conseguiam uni-las de um modo tão sublime... e falar de coisas tão dificeis... falar da alma e do que vai cá dentro...
Dizem que tenho uma tendência prá nostalgia... não sei...
mas, como dizia Vinicius de Moraes "...assim como uma nuvem só acontece se chover, assim como o poeta só é bem grande se sofrer...", a verdade é que quase sempre são os poetas existencialistas, tristes ou melancólicos, que escrevem aqueles poemas que nos falam ao coração...

Me said...

Ola lindas! Bigada plos posts!
Marta, eu sei q ja te disseram isto antes, mas vale a pena repetir: pq nao fazes tb um blog? Ajudava a descontrair enquanto estudas po exame!!
Bom trabalho :D

Marta said...

tenho de deixar de fazer tantos comentários... sorry

Me said...

Nao é isso!!! Adoro os teus posts!! So q falei ka ana e ela disse te tinham sugerido k tb fizesses um blog! Acho q tinhas mto pa tar ao blogespaço! :D

Marta said...

"Nature's first green is gold,
Her hardest hue to hold.
Her early leaf's a flower;
But only so an hour.
Then leaf subsides to leaf.
So Eden sank to grief,
So dawn goes down to day.
Nothing gold can stay.

Robert Frost ~

Não é o meu poeta estrangeiro favorito.. mas gosto muito deste poema... Hoje traduz o meu estado de espírito...
Como me parece que também gostas de poesia... quis partilhar contigo...

Gabriel Rachwal said...
This comment has been removed by the author.